Em uma região que já foi sinônimo de progresso, cultura de bairro e promissora expansão urbana no Rio de Janeiro, hoje predominam imóveis fechados, ruas silenciosas e um sentimento de abandono. A Zona da Leopoldina, que compreende 13 bairros na Zona Norte da capital fluminense, vive um processo de esvaziamento que acende alertas sobre os rumos do planejamento urbano no Brasil.
Entre 2010 e 2022, a região perdeu mais de 7 mil habitantes, uma queda de 19% na população, muito acima da média da cidade, que encolheu pouco mais de 1%. Em contraste, bairros como a Barra da Tijuca cresceram no mesmo período, impulsionados por investimentos públicos e privados.
A história de abandono da Leopoldina está longe de ser um caso isolado. Ela aponta para dilemas compartilhados por muitas cidades brasileiras: o crescimento desigual, a concentração de investimentos em áreas já valorizadas, a falta de políticas públicas de manutenção e a insegurança como fator de expulsão silenciosa.
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A história da cidade fantasma que está encolhendo
O declínio da Leopoldina não foi súbito. Ele se desenhou ao longo das últimas quatro décadas. Muitos dos bairros da região, como Ramos, Olaria, Bonsucesso e Penha, foram importantes centros urbanos com forte presença comercial, cinemas emblemáticos, vida cultural ativa e laços comunitários marcantes. Ali também estão instituições históricas como a escola de samba Imperatriz Leopoldinense e a Fiocruz.
Nos anos 1980, a região ainda atraía empreendimentos de alto padrão. Celebridades como Xuxa e Pelé chegaram a protagonizar campanhas publicitárias de novos edifícios, com infraestrutura completa e localização valorizada. Hoje, muitos desses imóveis estão fechados ou degradados.
O antigo Cine Ramos, por exemplo, inaugurado em 1938 e tombado pelo município, permanece fechado desde 1992. Seu telhado está parcialmente desabado, as paredes pichadas. Em frente, outdoors de “vende-se” estão gastos pelo tempo. O mesmo destino teve o Cine Rio Palace, que chegou a ser o maior da América Latina. Está tomado por mato e estruturas expostas.
Mesmo cortada por importantes vias como a Avenida Brasil e a Linha Amarela, e vizinha ao Centro, a Leopoldina perdeu protagonismo urbano. Segundo especialistas, o esvaziamento se deve à combinação de fatores como a desindustrialização do Rio, a perda de função logística da região, e a migração dos investimentos para zonas mais novas, como a Barra.
A ausência de políticas públicas consistentes agravou o quadro. Praças desapareceram durante obras como a construção do BRT Transcarioca. O único parque da região, o Ary Barroso, tem metade do tamanho de uma praça de Ipanema. A falta de áreas verdes, associada à urbanização densa e sem arborização adequada, criou um microclima mais quente, gerando desconforto e afastando famílias.
Ainda assim, a região continua sendo um polo gerador de empregos e abriga grandes equipamentos urbanos, como mercados, linhas férreas e centros educacionais. Há potencial, mas falta um plano efetivo de recuperação.
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Violência, saúde e qualidade de vida
Estação Leopoldina. Foto: Flickr.
O impacto da violência também é visível. Dados recentes apontam que, em 2024, um morador de Bonsucesso tinha seis vezes mais chances de ser assaltado do que um residente de Copacabana. Além disso, a Leopoldina lidera os registros de internações por doenças pulmonares, segundo a Secretaria Municipal de Saúde.
O crescimento da favelização, a falta de iluminação e a precarização dos serviços públicos contribuem para uma sensação constante de insegurança e abandono. Esse ambiente afasta antigos moradores e impede a chegada de novos, aprofundando o ciclo de esvaziamento.
O comércio local também sofreu. Estabelecimentos tradicionais, como o restaurante Varandão de Ramos, viram sua clientela minguar. O proprietário precisou reduzir os horários de funcionamento por falta de movimento. A antiga sede administrativa da região, na Rua Uranos, foi desativada pela prefeitura, e hoje é alvo de invasões.
Corretoras locais relatam dificuldades para vender ou alugar imóveis comerciais e industriais. Galpões de mais de mil metros quadrados ficam anos sem propostas concretas. Os preços despencam, e o desinteresse cresce.
O que isso revela sobre o país?
A Zona da Leopoldina é um retrato ampliado de algo que ocorre em muitas áreas urbanas do Brasil: o descuido com o espaço público, a concentração de recursos em áreas já valorizadas e a falta de continuidade nas políticas de urbanismo. A região aparece em planos diretores como prioritária, mas raramente há ações concretas para mudar o cenário.
A discussão sobre o futuro das cidades brasileiras passa necessariamente por casos como o da Leopoldina. O desafio é encontrar equilíbrio entre desenvolvimento e preservação do que já existe. Nem todo progresso está em construir do zero. Revitalizar o que já foi próspero também é construir.
Em outros países, o esvaziamento urbano de regiões antes centrais costuma ser combatido com políticas públicas de reocupação e incentivo à habitação, cultura e economia local. Na Grécia, por exemplo, bairros históricos de Atenas foram revitalizados com apoio estatal e fomento ao turismo sustentável.
Para o Brasil, em especial em cidades como o Rio de Janeiro, com extensas áreas urbanas em condições semelhantes, a experiência internacional pode servir de inspiração. Mas é preciso vontade política, envolvimento comunitário e uma visão de cidade que não exclua.