Conheça o mito grego que inspirou a saga de ‘O Senhor dos Anéis’

Antes de ser um universo cinematográfico bilionário, O Senhor dos Anéis nasceu da imaginação de um estudioso das línguas antigas. J.R.R. Tolkien, professor de Oxford e apaixonado por mitologias europeias, é reconhecido por ter criado um dos mundos mais detalhados da literatura moderna. Mas o que poucos sabem é que uma das histórias mais importantes de seu universo, a queda do reino de Númenor, foi diretamente inspirada em um mito grego contado há mais de dois mil anos: a lenda de Atlântida.

O mito grego que inspirou Tolkien a criar O Senhor dos Anéis

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A ligação entre Númenor e Atlântida é mais do que coincidência. A própria descrição do reino afundado no universo de Tolkien carrega traços muito semelhantes ao relato deixado por Platão no século IV a.C. O filósofo grego escreveu sobre uma poderosa civilização insular que, após um período de grandeza e excessos, foi destruída por catástrofes naturais e engolida pelo mar. Esse mito antigo serviu de base para a criação de Númenor, que vive trajetória parecida nas páginas do legendário autor britânico.

Segundo Platão, Atlântida era uma ilha maior que a Líbia e a Ásia juntas. Situada além das Colunas de Hércules (o que hoje seria o estreito de Gibraltar), o local teria sido um verdadeiro paraíso arquitetônico e cultural, abençoado pelo deus do mar, Poseidon. Os atlantes desenvolveram uma civilização próspera, com palácios, templos e portos grandiosos. Seu poder naval era tão grande que chegaram a ameaçar os povos vizinhos, incluindo os antigos atenienses.

Com o tempo, os atlantes se tornaram arrogantes e moralmente corruptos. De acordo com Platão, esse declínio provocou a ira dos deuses. Em um único dia e noite de desastres naturais, a ilha desapareceu sob as águas. Desde então, o mito de Atlântida tem sido visto como um alerta contra a soberba das civilizações humanas.

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Em O Silmarillion, obra que reúne parte do universo expandido criado por Tolkien, Númenor surge como um presente divino. Depois de vencerem o mal na guerra contra Morgoth, os homens fiéis aos Valar, seres angelicais da mitologia tolkieniana, ganham uma ilha paradisíaca no oceano, separada da Terra Média. Númenor se transforma no lar da mais avançada sociedade humana já existente no mundo de Tolkien. A semelhança com Atlântida é clara: trata-se de uma ilha remota, dada por entidades divinas, com uma cultura sofisticada e poder marítimo impressionante.

A queda de Númenor ocorre por influência direta de Sauron, o grande vilão da saga. Capturado e levado à ilha como prisioneiro, ele rapidamente conquista a confiança do rei Ar-Pharazôn. Com discursos manipuladores, convence os númenóreanos de que podem alcançar a imortalidade se deixarem de servir o deus supremo Eru Ilúvatar e passarem a cultuar Morgoth, um ser maligno banido pelos Valar.

Essa mudança de fé marca o início da destruição. Os habitantes de Númenor, outrora sábios e justos, tornam-se arrogantes e cruéis. O rei decide invadir a terra dos deuses, uma afronta direta ao equilíbrio cósmico. Como punição, a ilha é engolida por uma onda gigantesca e desaparece no mar. Apenas alguns sobreviventes, fiéis aos antigos valores, conseguem escapar e fundar os reinos de Gondor e Arnor, já conhecidos dos leitores de O Senhor dos Anéis.

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A semelhança entre as histórias

A semelhança entre as duas histórias vai além da estrutura narrativa. Tolkien, inclusive, confessou ter pesadelos recorrentes com uma onda gigante destruindo uma terra inteira, sonho que, segundo ele, o perseguia desde a juventude. Em uma carta de 1964, ele descreve essa imagem com detalhes, relatando como acordava sufocado, como se estivesse submerso. Para o autor, o mito de Atlântida não era apenas uma lenda distante, mas algo que parecia vir de uma memória ancestral, algo inscrito em seu imaginário mais profundo.

Tolkien não foi o único a se deixar levar pelo apelo simbólico de Atlântida. A história atravessou séculos como representação do medo coletivo diante da autodestruição. Ao colocar essa narrativa no centro de seu universo, o escritor inglês reafirma uma das mensagens mais antigas da tradição ocidental: civilizações grandiosas também podem cair, especialmente quando deixam de lado a ética e o equilíbrio em nome da ambição.

A escolha de Tolkien por esse tipo de tragédia não foi acidental. Ao contrário de muitas histórias de fantasia com finais felizes, a queda de Númenor introduz uma camada sombria à mitologia de seu mundo. A destruição não vem de um inimigo externo, mas do orgulho interno, da corrupção da própria sociedade.

Essa abordagem acrescenta profundidade ao universo criado por ele e torna mais compreensível os conflitos enfrentados pelos personagens em O Senhor dos Anéis. Afinal, os heróis da saga vivem num mundo onde o mal já venceu antes, e pode vencer de novo. Gondor, por exemplo, é herdeiro direto da tragédia de Númenor, e carrega até os dias da narrativa as marcas dessa herança perdida.

Ao resgatar e transformar o mito grego da Atlântida, Tolkien mostra como histórias antigas continuam a moldar o imaginário moderno. Seu trabalho recria mundos fictícios e também atualiza mensagens milenares sobre poder, orgulho e queda, temas que continuam tão atuais quanto nos tempos de Platão.

  • Grego, morou na Grécia por quase toda a sua vida e em Londres por 3 anos. Trabalhou como Bar Manager, Bartender e Barista em Londres e na Grécia. Além de ter trabalhado nas melhores cozinhas e bares de Londres e da Grécia. Participou de renomados cursos na área e compartilhou o seu conhecimento com seus alunos pela Europa. Por ser apaixonado pelo seu país, encontrou por meio da escrita uma forma de compartilhar com os brasileiros o seu conhecimento sobre viagens, história, cultura, mitologia grega e culinária geral, trazendo o melhor da Grécia para vocês.

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