Quando pensamos em Pitágoras, geralmente a associação imediata é com a matemática, mais especificamente com o famoso teorema que leva seu nome. No entanto, uma tradição antiga atribui a ele algo bem mais inesperado: a participação na Guerra de Troia, um dos episódios mais marcantes da mitologia grega. A afirmação não é histórica, mas sim parte de uma narrativa lendária que atravessou os séculos e ajuda a compreender como a cultura grega misturava filosofia, mitologia e crenças espirituais.
Uma história de muitas vidas
Segundo relatos antigos, Pitágoras teria vivido várias encarnações antes de nascer na ilha de Samos, no século VI a.C. Essa ideia está ligada à doutrina da metempsicose, ou seja, a crença de que a alma humana passa por diferentes corpos ao longo do tempo. Para os seguidores de Pitágoras, a memória dessas existências era a explicação para seu conhecimento extraordinário.
De acordo com essas tradições, sua primeira vida teria sido como Aethalides, filho do deus Hermes. Aethalides teria recebido do pai um presente especial: a capacidade de lembrar de tudo, inclusive após a morte. Essa habilidade seria a chave para que, em suas vidas seguintes, ele recordasse cada detalhe vivido.
Depois de Aethalides, a alma teria renascido como Euphorbos, um jovem guerreiro troiano mencionado na Ilíada. Foi nessa encarnação que Pitágoras, segundo a lenda, teria participado da Guerra de Troia. Euphorbos aparece no épico como o combatente que fere Pátroclo, companheiro de Aquiles, pouco antes de ele ser morto por Heitor. Logo depois, o próprio Euphorbos foi morto por Menelau, rei de Esparta, em uma cena que simboliza a intensidade dos combates em torno das muralhas de Troia.
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Do campo de batalha ao templo de Apolo
A morte de Euphorbos não encerrou a história. Conta-se que sua armadura foi levada da planície troiana até um templo dedicado a Apolo. Em outra vida, como Hermotimus de Clazômenas, Pitágoras teria visitado esse templo e reconhecido o escudo que havia usado em Troia, corroído pelo tempo, mas ainda preservado. Essa lembrança seria a prova de que a alma de Euphorbos realmente havia voltado em outros corpos.
Após Hermotimus, a tradição cita ainda uma vida como Pyrrhus, um simples pescador da ilha de Delos. Só depois disso a alma teria renascido como Pitágoras, o pensador que deixaria sua marca definitiva na história.
Filosofia, mito e autoridade
Associar Pitágoras à Guerra de Troia é aproximas a filosofia, a religião e a mitologia grega.
Por que essa narrativa teria surgido? Em sociedades antigas, a autoridade de um mestre não se sustentava apenas em seus ensinamentos, mas também em sua ligação com tradições mais antigas. Afirmar que Pitágoras havia sido um herói de Troia ou mesmo filho de Hermes reforçava sua imagem como alguém dotado de conhecimento divino, que carregava consigo experiências de eras passadas.
Esse tipo de associação também servia para aproximar a filosofia da religião e da mitologia, garantindo que suas ideias fossem vistas tanto como reflexões racionais, quanto como parte de uma sabedoria ancestral. Assim, a lenda funcionava como um recurso simbólico para sustentar a figura de Pitágoras como mestre espiritual e intelectual.
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A Guerra de Troia no imaginário grego
A Guerra de Troia ocupa um lugar central na mitologia grega. Retratada principalmente na Ilíada, de Homero, ela simboliza tanto o heroísmo quanto a tragédia humana. Personagens como Aquiles, Heitor, Ulisses e Helena se tornaram arquétipos que atravessaram os séculos, inspirando poetas, dramaturgos e artistas.
A inclusão de Euphorbos nessa narrativa maior pode parecer secundária, já que ele não ocupa um papel de destaque na epopeia. No entanto, foi justamente a escolha de uma figura menos conhecida que deu força à lenda pitagórica: se fosse um herói central, seria difícil sustentar a veracidade do relato. Ao assumir a identidade de um personagem lateral, mas presente em um dos episódios mais intensos da Ilíada, a tradição conferia plausibilidade ao mito sem entrar em contradição direta com a obra de Homero.
Pitágoras histórico e a distância do mito
Apesar da riqueza dessas histórias, os registros históricos mostram um Pitágoras bastante diferente. Nascido por volta de 570 a.C., ele fundou uma comunidade na região da Magna Grécia, no sul da Itália, onde ensinava matemática, astronomia, música e princípios de vida ética. Sua escola misturava ciência e espiritualidade, e seus seguidores adotavam práticas como o silêncio, a vida em comunidade e a abstinência de certos alimentos.
Essa realidade histórica afasta qualquer ligação direta com a Guerra de Troia, que teria ocorrido séculos antes de seu nascimento. A associação entre o filósofo e o conflito só pode ser entendida como uma construção mítica, não como fato.
Do mundo grego ao brasileiro
Se na Grécia antiga a lenda servia para legitimar a autoridade de Pitágoras, no Brasil seu nome se consolidou de outra forma. Desde os primeiros anos da escola, alunos aprendem o famoso teorema que relaciona os lados de um triângulo retângulo. Assim, a figura de Pitágoras faz parte do repertório cultural brasileiro, ainda que quase sempre restrita à matemática.
Conhecer essas histórias ligadas à mitologia grega abre a possibilidade de enxergar o filósofo sob outra perspectiva. Ele não foi apenas um nome associado a cálculos e fórmulas, mas também personagem de tradições que buscavam explicar o lugar da alma no mundo e sua relação com o divino.
Entre mito e história
A pergunta “Pitágoras lutou na Guerra de Troia?” não encontra resposta afirmativa na história concreta. A guerra, embora possivelmente inspirada em fatos reais, pertence ao campo da mitologia. Pitágoras, por sua vez, viveu séculos depois, em outro contexto. O que une as duas narrativas é a crença na reencarnação e a necessidade de construir símbolos de autoridade para legitimar mestres e tradições.
Mais do que uma curiosidade, essa história mostra como mitos e filosofia se entrelaçam na cultura grega e continuam a despertar interesse até hoje. Ela também ajuda a entender por que nomes como Pitágoras permanecem vivos, tanto nas salas de aula brasileiras, como nos debates sobre as origens do pensamento ocidental.