Este é o grego que desbravou o Ártico antes dos vikings

Hoje vamos falar sobre um grego pouco conhecido, geógrafo, navegador e explorador, que muitos acreditam ter chegado à Islândia e às regiões do Ártico antes mesmo dos vikings.

Estamos nos referindo a uma figura histórica muito importante que ficou conhecida como Pitéas de Massália (século IV a.C.), devido à sua origem em Massália, a atual Marselha, na França, que naquela época era uma colônia grega fundada por fócios da Ásia Menor.

Massália, na época de Pitéas (380–310 a.C.), era um grande centro comercial e cultural. Segundo Aristóteles, era uma cidade modelo. Já naquela época, a cidade era conhecida pela distribuição de vinho.

Por volta de 330 a.C., então, Pitéas decidiu realizar uma viagem impressionante para além dos limites conhecidos do Mediterrâneo.

Ele descreveu sua jornada nas obras “Período da Terra” e “Sobre o Oceano”, nas quais relata uma viagem marítima à Bretanha, ao Mar do Norte e às costas do nordeste da Europa, regiões até então misteriosas que mais tarde se tornariam fontes de estanho, âmbar e ouro.

Pitéas não era somente um viajante. Ele era um observador do céu. Para ajudá-lo, utilizava um instrumento simples chamado gnomon, que parecia um poste fincado no chão.

Observando a sombra projetada, ele conseguia identificar onde ficavam o norte e o sul, saber quando era exatamente meio-dia e até calcular as mudanças das estações do ano. Assim, com meios muito simples, conseguia tirar conclusões importantes sobre o mundo ao seu redor.

Os céticos e apoiadores de Pitéas

Apesar disso, houve estudiosos da época que duvidaram de sua viagem, como Estrabão e Políbio, embora ambos também nos transmitam informações úteis sobre ele. A hostilidade desses dois escritores em relação a Pitéas é curiosa e possivelmente se deve a algo mais do que o que o arqueólogo britânico Barry Cunliffe chamou de “rivalidade profissional”.

Por outro lado, muitos outros o apoiaram, como Timeu de Tauromênio, Eratóstenes de Cirene, Plínio, o Velho e Diodoro da Sicília, que consideraram sua obra confiável e nos transmitiram várias informações que ajudaram os estudiosos modernos.

O principal deles foi o historiador Timeu (c. 345 a.C. – c. 250 a.C.), que escreveu uma extensa história da Sicília e do Mediterrâneo ocidental. É muito provável que tivesse uma cópia do Sobre o Oceano e tenha incorporado elementos em suas próprias obras. O famoso geógrafo e bibliotecário-chefe de Alexandria, Eratóstenes de Cirene (c. 276 a.C. – 194 a.C.), também menciona Pitéas em um tratado que se perdeu, mas que foi amplamente divulgado no mundo antigo.

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Um livro sobre Pitéas de Massália, do Dr. Lionel Scott

O Dr. Lionel Scott, helenista e estudioso de Heródoto, explica em seu livro, escrito em inglês, que os gregos da época de Pitéas quase nada sabiam sobre a Europa do Norte, exceto por histórias de comerciantes, muitas vezes exageradas ou fantasiosas.

Pitéas foi o primeiro a fornecer informações de primeira mão, descrevendo os fatos sobre essas regiões.

Em sua viagem, percorreu a Península Ibérica, a França, a Bretanha, e dali navegou para o norte até avistar blocos de gelo flutuando no mar.

Depois, chegou ao Mar Báltico e escreveu sobre a mítica Thule, que séculos mais tarde seria citada por Goethe em Fausto. Com seus conhecimentos de astronomia, Pitéas localizou a Thule no Círculo Polar Ártico.

De sua obra Sobre o Oceano, da qual apenas fragmentos sobreviveram, percebe-se que, até certo ponto, conseguiu alcançar seus objetivos. Suas habilidades ficam claras, por exemplo, no cálculo da circunferência da Bretanha, que diferia muito pouco da real.

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A viagem de Pitéas

Pitéas de Massália. Imagem: criação do brazilgreece.

Não sabemos ao certo qual foi o percurso seguido por Pitéas, mas é quase certo que tenha partido de Massália e passado pelas Colunas de Hércules, ou seja, o atual Estreito de Gibraltar.

De lá, entrou no Atlântico e navegou para o norte, acompanhando as costas da Espanha e da França, até provavelmente chegar à Bretanha.

Em seguida, atravessou o Canal da Mancha e desembarcou em um local que chamou de Velerion, que hoje se acredita ter sido a Cornualha. Lá, viu os habitantes extraindo estanho, que era comercializado primeiro com a Gália e depois com o Mediterrâneo.

Após estudar os habitantes da Cornualha e do sudoeste da Bretanha, Pitéas provavelmente seguiu para o norte, ao longo da costa do País de Gales. É possível que tenha visitado a Ilha de Man antes de subir pela costa oeste da Escócia e passar entre as Hébridas Internas e Externas.

A partir daí, alguns estudiosos acreditam que Pitéas iniciou a parte mais ousada de sua jornada, deixando a Bretanha para trás e navegando em direção ao Mar do Norte.

Ao que tudo indica, sua grande motivação era encontrar a fonte do âmbar, muito valorizado pelos gregos. Alguns dizem que ele chegou até o Mar Báltico e talvez tenha viajado para o leste, até o rio Vístula, na atual Polônia, antes de iniciar sua longa viagem de retorno.

Quanto à famosa e misteriosa Thule, que ficaria ao norte das Ilhas Britânicas e era considerada o limite do mundo, só existem hipóteses.

Segundo Estrabão, Pitéas navegou por seis dias até chegar à Thule, que alguns historiadores identificam como a Islândia. Se Pitéas realmente desembarcou lá é algo altamente controverso, e essa dúvida intriga os estudiosos há décadas.

Alguns aceitam que a Thule era a Islândia, outros acreditam que se tratava da Noruega, e alguns apontam para as Ilhas Faroé.

O explorador canadense Vilhjalmur Stefansson, que pesquisou extensamente o Ártico, afirmou em seu livro Ultima Thule que a possibilidade de Pitéas ter chegado à Islândia era bastante grande.

Lá, Pitéas presenciou fenômenos totalmente novos para os povos do Mediterrâneo, como os longos dias de verão em latitudes elevadas.

Após um dia de navegação ao norte da Thule, ele encontrou o que chamou de “Mar Congelado”, um termo que, segundo estudiosos, se refere ao Oceano Ártico. Nesse ponto, é provável que o nevoeiro denso, o frio extremo e as correntes geladas tenham impedido qualquer avanço rumo ao norte.

Mesmo assim, descreveu esse lugar como uma das passagens mais enigmáticas do oceano.

Com base nesses e em outros fragmentos, estudiosos modernos tentaram reconstruir os detalhes da jornada de Pitéas, embora muitas informações permaneçam incertas.

Segundo algumas fontes, seu objetivo principal era buscar materiais valiosos como o estanho e o âmbar, que naquela época tinham grande importância no comércio.

No entanto, sua viagem não se resumia apenas a isso, pois contém várias observações astronômicas, geográficas, biológicas, oceanográficas e etnológicas. De fato, muitos estudiosos modernos consideram seu relato um documento de grande valor científico e antropológico.

O único certo é que a expansão comercial sempre foi uma força motriz por trás de empreendimentos como esse, e a estátua de Pitéas diante da Bolsa de Valores de Marselha, além de atrativo turístico, é também uma bela lembrança desse legado.

  • Grego, morou na Grécia por quase toda a sua vida e em Londres por 3 anos. Trabalhou como Bar Manager, Bartender e Barista em Londres e na Grécia. Além de ter trabalhado nas melhores cozinhas e bares de Londres e da Grécia. Participou de renomados cursos na área e compartilhou o seu conhecimento com seus alunos pela Europa. Por ser apaixonado pelo seu país, encontrou por meio da escrita uma forma de compartilhar com os brasileiros o seu conhecimento sobre viagens, história, cultura, mitologia grega e culinária geral, trazendo o melhor da Grécia para vocês.

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