Viver no Brasil há alguns anos me ensinou a valorizar ainda mais as raízes da cultura grega. Em muitos aspectos do dia a dia, é possível reconhecer heranças antigas que nem sempre são percebidas. Uma delas está nas unidades de medida, uma invenção prática dos antigos gregos que deixou marcas profundas nas formas que usamos para medir o tempo, a distância, o peso e o volume até hoje.
Na Grécia Antiga, medir era uma necessidade básica para comércio, construção, agricultura e vida cotidiana. Com o tempo, os gregos refinaram métodos e instrumentos, criando padrões que atravessaram gerações e continentes.
A medida do corpo humano
Uma das primeiras bases para a criação de unidades de medida foi o próprio corpo humano. O côvado é um bom exemplo disso. Herdado dos egípcios, o côvado era a distância do cotovelo até a ponta do dedo médio. Em média, tinha cerca de 46 centímetros. Era subdividido em partes menores, como a largura do polegar (dígito) e a largura da mão (palmo).
Quatro dígitos formavam um palmo, e cinco palmos formavam um côvado. Esse sistema baseado no corpo era prático, pois permitia medições rápidas, mesmo sem instrumentos.
O côvado teve uma vida longa. Foi usado por muitos povos além dos gregos, persistindo em algumas regiões até o século XX.
Medindo distâncias
Para medições mais precisas de distâncias curtas, os gregos usavam o daktylos (dedo), que equivalia a cerca de 19,25 milímetros. A partir dele, outras medidas foram formadas, como o palaiste (palmo), o orthodoron (largura de uma mão aberta) e o pous (pé), que correspondia a cerca de 30,8 centímetros.
O estádio era usado para distâncias maiores, principalmente em competições esportivas. Um estádio correspondia aproximadamente a 180 metros, embora houvesse variações regionais. A palavra ainda ecoa hoje nos nomes dos locais de esporte.
Para medir terrenos, utilizavam o schoinion (corda), que tinha um comprimento padrão, mas precisava ser mantido de forma precisa para evitar variações com a umidade. Pesos e técnicas, como encerar a corda, eram usados para garantir a constância da medida.
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Pesos e moedas
No comércio e na cobrança de tributos, medir peso era fundamental. Entre os gregos, o talento era a grande unidade de peso. Inicialmente usado para pesar ouro e prata, o talento passou a servir também para medir outros materiais e valores monetários.
O talento ático, usado em Atenas, pesava cerca de 26 quilos. Já o talento mencionado por Homero nas suas epopeias era menor, equivalente a cerca de 8,5 gramas de ouro.
O talento também se conectava diretamente às moedas. Um talento de prata correspondia a cerca de 6.000 dracmas, cada uma delas valendo seis óbolos, as menores moedas em circulação.
Essa relação entre peso e valor monetário facilitou o comércio entre cidades-estados e também influenciou sistemas monetários de outras civilizações.
Medindo volumes
Medir líquidos e grãos era outro desafio para os gregos. Eles desenvolveram unidades específicas para cada tipo de produto.
A cótila (cotyle) era uma medida de capacidade que variava de 210 ml a 330 ml, dependendo da região. Era usada tanto para líquidos quanto para sólidos. O kyathos era outra medida comum, utilizada em cerimônias e banquetes para servir vinho.
Para grandes quantidades, havia o metretes, que correspondia a cerca de 39 litros. Era equivalente a uma medida e meia de uma ânfora cheia. O ânfora quadrantal, outra medida usada para líquidos como vinho e azeite, tinha capacidade semelhante ao volume de um pé cúbico, cerca de 26 litros.
No Egito, sob influência grega, a unidade para medir grãos era o medimno ptolemaico, equivalente a aproximadamente 52 litros. Ele era usado especialmente para calcular o armazenamento e o transporte de cereais.
A importância da padronização
Para evitar fraudes, Atenas criou o Tholos, uma espécie de banco oficial de pesos e medidas. Comerciantes tinham que aferir seus instrumentos no local para garantir que seguiam os padrões oficiais.
Esse esforço para manter medidas justas e confiáveis demonstra o quanto a sociedade grega se preocupava com o comércio ético e a organização da vida pública.
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A influência das medidas gregas nas unidades modernas
Hoje, muitas unidades modernas nasceram dessa tradição antiga. A própria ideia de usar o corpo como referência (polegada, pé, jarda) tem raízes em práticas egípcias e gregas.
O conceito de padronizar pesos e medidas para garantir justiça no comércio também atravessou séculos e está presente em todos os sistemas legais do mundo atual.
Embora o sistema métrico tenha unificado a maior parte do mundo moderno, nos Estados Unidos, por exemplo, ainda se usa o pé, a polegada e a jarda, medidas que remontam à mesma lógica de medidas baseadas no corpo humano que era praticada pelos antigos gregos.
Viver fora da Grécia me faz perceber que muitos elementos da nossa cultura viajaram mais longe do que imaginamos. As unidades de medida, criadas para facilitar a vida dos antigos, continuam a influenciar como o mundo mede, calcula e organiza o seu cotidiano.
Assim como a comida grega ainda traz conforto e identidade, as medidas antigas nos lembram da engenhosidade prática que ajudou a construir as bases do mundo moderno.