Muito antes de o turismo levar visitantes aos templos da Grécia, os próprios gregos já viajavam longas distâncias em busca de respostas. Um dos destinos mais procurados era Dodona, no noroeste do país, em Epiro. Foi ali que se estabeleceu o oráculo mais antigo conhecido do mundo grego. Acreditava-se que era onde Zeus e a deusa Dione ofereciam orientações aos mortais por meio dos sons do vento nas árvores sagradas.
Diferente do mais famoso Oráculo de Delfos, onde as questões envolviam impérios, guerras e alianças políticas, em Dodona predominavam perguntas pessoais. Ao longo de séculos, pessoas comuns, vindas de várias regiões, registraram suas dúvidas em pequenas placas de chumbo, algumas com poucos centímetros de largura e letras minúsculas, gravadas com o auxílio de ferramentas simples.
Mais de quatro mil dessas tabuletas foram encontradas durante escavações. Elas revelam o cotidiano da Grécia Antiga com uma precisão rara. Muitas das questões seriam facilmente compreendidas por alguém de hoje. Um exemplo é a mulher que pergunta se deveria procurar outro homem para ter filhos. Outro, de um homem que quer saber se ficará feliz ao se casar com determinada moça. Há também o caso de um escravizado, identificado como Kittos, que questiona se seu dono cumprirá a promessa de libertá-lo.
Esse tipo de registro é valioso porque permite observar como os gregos se relacionavam com suas esperanças, medos e expectativas. Havia quem quisesse saber se um parente adoeceria, se uma viagem traria sucesso, ou se determinado investimento seria seguro. Não se tratava de buscar o futuro apenas como curiosidade, mas de tentar tomar decisões com base em sinais divinos.
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Como funcionava o Oráculo?
O oráculo funcionava de forma singular. As perguntas eram feitas por escrito, e sacerdotes conhecidos como selloi interpretavam os sons das folhas dos carvalhos sagrados ou o ruído de objetos metálicos suspensos que vibravam com o vento. Essa prática, associada a uma escuta da natureza, fazia parte da tradição religiosa grega e refletia a crença de que os deuses se comunicavam de forma sutil, por sinais que exigiam atenção e interpretação.
Além das questões, o que chama atenção é a diversidade de origem das pessoas que procuravam Dodona. Havia inscrições em diferentes dialetos, vindas de lugares como Taranto, Boécia, Atenas e Siracusa. Isso reforça a importância do santuário em uma época em que a mobilidade não era simples.
Segundo o historiador Heródoto, Dodona era conhecida desde o segundo milênio antes de Cristo. Homero também faz menção ao local em seus poemas, como sendo o oráculo de Zeus. Mais tarde, Aristóteles escreveu que aquela região seria o berço dos helenos, como os gregos antigos se chamavam. A área era, originalmente, controlada pelos thresprotos e, posteriormente, pelos molossos, dois povos da região do Epiro. O oráculo continuou ativo até o período romano, quando o cristianismo passou a dominar a vida religiosa e os templos pagãos perderam espaço.
Como é Dodona hoje?
Dodona.
Hoje, Dodona é um sítio arqueológico aberto à visitação. Embora o oráculo não funcione mais, o lugar preserva uma aura de silêncio e introspecção. Há esforços para restaurar o antigo teatro que havia ao lado do templo, e o local ainda atrai quem busca contato com a história ou momentos de contemplação.
A sobrevivência das tabuletas com as perguntas mostra que, apesar da passagem do tempo, as dúvidas que movem as pessoas não mudaram tanto. O desejo de tomar boas decisões, de entender os sentimentos dos outros ou de antecipar consequências ainda é parte do cotidiano. Em vez de consultar árvores sagradas, hoje muitos buscam psicólogos, conselhos de amigos ou orientações digitais. Mas a necessidade de ouvir algo que ofereça segurança permanece.
A existência de um oráculo que tratava de assuntos do dia a dia ajuda a entender os antigos gregos de forma mais próxima. Eles não eram figuras distantes envolvidas apenas em mitos ou batalhas épicas. Eram homens e mulheres com vidas semelhantes às nossas, tentando equilibrar escolhas e dúvidas com o que compreendiam como vontade divina.
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A real função do Oráculo
A função do oráculo era, portanto, mais do que prever o futuro. Era um modo de organizar o pensamento e buscar direção. Em muitos casos, o ato de formular uma pergunta já indicava o início de um caminho. E a resposta, mesmo que interpretada por terceiros, funcionava como uma âncora em tempos de incerteza.
Ainda que hoje não se escrevam mais perguntas em chumbo nem se escute o vento em carvalhos para ouvir os deuses, a memória de Dodona resiste. Ela lembra que, em toda época, as pessoas buscaram sinais que ajudassem a seguir em frente. E que a espiritualidade, assim como a dúvida, é uma ponte entre passado e presente.
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