A relação entre Hipólita e Diana Prince é fascinante, pois ambas são Amazonas, originárias de uma terra exótica de guerreiras e são filhas de deuses. O que as separa é uma distância de mais de dois milênios. Surpreendentemente, a primeira é a mãe da segunda, não apenas no sentido biológico, mas de uma maneira arquetípica, onde o presente dialoga com o passado. Vale a pena examinar as maneiras pelas quais a Amazona da Antiguidade inspirou a Amazona-Superheroína dos séculos XX e XXI.
A relação da antiga civilização grega com a feminilidade, suas características psicológicas e físicas, foi problemática. A mulher era considerada um conjunto de elementos positivos e produtivos, principalmente relacionados à fertilidade, misturados com aspectos negativos e destrutivos. Desde a época arcaica, o pensamento grego a via como um mal necessário. Podia ser tola, traiçoeira e lasciva, mas pelo menos proporcionava um espetáculo agradável e “produzia” descendentes.
Essa valorização não era apenas resultado da procriação, mas estava inserida em um sistema de valores patriarcal mais amplo, que mantinha as filhas e esposas material e emocionalmente dependentes dos homens, confinadas a uma esfera considerada essencialmente privada e apolítica. No entanto, o que acontece quando a mulher se recusa a desempenhar seu papel social, rejeita as virtudes da vida conjugal, da maternidade e dos limites autoimpostos?
O mito das Amazonas
As Amazonas na mitologia são famosas por romperem com a cultura da honra feminina. Vivem sem a companhia ou orientação de homens protetores, em uma tribo exclusivamente feminina. Sua autonomia política contrasta com a situação cívica das mulheres na democracia, que nem mesmo eram chamadas de “cidadãs”. Sua característica mais marcante era a habilidade na batalha. Os antigos sábios as descrevem como amantes de expedições, hábeis amazonas e formidáveis inimigas dos homens. Sua distância das estruturas patriarcais de poder e sua disposição combativa acabaram simbolizando simples misandria.
O mito das Amazonas na Antiguidade tinha implicações profundas. Por serem mulheres, supostamente desprovidas de moderação, eram politicamente incapazes, vivendo de maneira nômade e sendo consideradas femininas de uma maneira distorcida. Sua suposta devassidão era a recusa em abraçar os estereótipos femininos convencionais de ternura, devoção e maternidade. A “desobediência” biológica das Amazonas também se refletia no fato de cortarem ou queimarem o seio direito, símbolo dominante da maternidade, para poderem lançar a lança sem obstáculos.
Por que as Amazonas (mulheres) tinham um papel secundário na antiguidade?
Vale destacar que as Amazonas, nos mitos, não têm suas próprias narrativas. Nenhuma guerreira, por mais valente e bela que seja, é a protagonista de sua própria história. Todas são coadjuvantes de heróis masculinos renomados. A rainha das Amazonas, Hipólita, só interessa aos mitógrafos porque é o nono trabalho de Hércules.
Pentesileia é inserida no ciclo troiano apenas para morrer nas mãos de Aquiles, que, mesmo acabando de matá-la, se apaixona pelo corpo inanimado dela. Sua presença nas antigas histórias serve a um propósito estrutural: permite que os escritores explorem as limitações das mulheres em relação aos homens. Todas as Amazonas nas antigas narrativas gregas são derrotadas. Podem ser filhas de deuses, semear o terror, mas sempre existe um homem mais forte. No mundo competitivo e hierárquico da Antiguidade, o homem está sempre no topo da pirâmide social.
Outro exemplo e a história de heroína Atalanta, a qual, aliás, possui elementos comuns com a Mulher-Maravilha.
É interessante notar que a mitologia das Amazonas no mundo antigo teve implicações profundas nas representações das mulheres e do poder feminino. Esses mitos serviram como veículo para explorar as complexidades e limitações impostas às mulheres na sociedade patriarcal da época. Por meio dessas histórias, os antigos gregos podiam questionar e reforçar as normas de gênero de sua sociedade, apresentando as Amazonas como um desvio perigoso e, ao mesmo tempo, uma confirmação da supremacia masculina.
Mulher-maravilha: a Amazona contemporânea
A mais famosa “amazona moderna” é, naturalmente, a “Mulher-Maravilha” dos quadrinhos da DC Comics. Fazendo sua primeira aparição em All Star Comics nº 8 (dezembro de 1941), ela é uma das figuras femininas mais importantes da nona arte, um ícone e uma fonte de inspiração para dezenas de fãs de quadrinhos. Não surpreendentemente, Diana Prince, seu nome verdadeiro, apresenta semelhanças-chave com suas “antecessoras”.
O perfil da Mulher-maravilha
A Mulher-Maravilha, conhecida como Diana Prince, é originária da fictícia Themyscira, que na Antiguidade era considerada a capital mítica da terra das Amazonas. Na versão mais recente do “mito”, ela é filha de Zeus e da rainha Hipólita. Mais importante, Diana é uma guerreira dinâmica com força sobre-humana e habilidades atléticas notáveis. Ela sabe cavalgar e, em algumas representações, pode voar. É habilidosa com armas, especialmente o escudo e a espada, e suas habilidades de combate incluem o uso do laço dourado, uma adição americana adorável.
Quais são as semelhanças e diferenças entre a Mulher-maravilha e as Amazonas?
Todas essas características são elementos comuns entre a “nova” Amazona e a antiga. É um arquétipo que une o presente ao passado: uma mulher forte e liberta, que combina uma origem divina e aristocrática com beleza física e virtudes de guerreira. No entanto, há uma diferenciação radical em sua essência. A Mulher-Maravilha não representa mais um símbolo assustador de tudo o que o homem “civilizado” teme. Ela personifica a mulher moderna ideal, conforme percebida pela cultura popular. A independência e a atividade não são mais distorções monstruosas da “natureza” feminina, mas virtudes da civilização ocidental.
A Amazona Diana, que, aliás, recebe seu nome da versão latina de Ártemis, uma divindade imponentemente dinâmica distante da cultura de reprodução masculina, não é mais o ensinamento moral sobre a fraqueza feminina. Pelo contrário, ela é uma prova e uma afirmação de que a mulher é mais do que capaz de lutar neste mundo.
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As mensagens positivas que a heroína Mulher-maravilha transmite agora
É igualmente importante destacar que a nova Amazona domina a narrativa. Como todo herói em quadrinhos tem amores, aliados e inimigos, mas a Mulher-Maravilha não é mais um papel de apoio secundário, por assim dizer, em um episódio da história de outra pessoa. Pelo contrário, ela tem uma origem, um caráter; um passado claro que influencia o presente e causa ansiedade sobre o futuro. O leitor de quadrinhos não se interessava necessariamente por Pentesileia, mas sim pelas realizações e paixões de Aquiles. Para Diana, nos importamos, porque ela é a verdadeira protagonista da aventura. O quadrinho colocou a mulher dinâmica no centro da narrativa.
Essa transformação é fundamental porque não apenas desafia, mas também muda as expectativas em torno do papel das mulheres nas narrativas e na sociedade em geral. A Mulher-Maravilha não é mais uma figura marginalizada, mas uma líder e uma heroína que transcende as limitações tradicionais de gênero. Ela representa a evolução das percepções da mulher na cultura pop e, por extensão, na sociedade.
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