Nos últimos dias, um vídeo gravado nos anos 1990 voltou a circular pelas redes sociais e surpreendeu muitos brasileiros. Nele, aparece um trecho da letra original do Hino Nacional que foi retirado da versão oficial que conhecemos hoje. A descoberta provocou curiosidade, surpresa e até questionamentos: afinal, por que parte da nossa história ficou escondida?
Esse episódio mostra que os símbolos que aprendemos desde a infância, como o hino, a bandeira e o brasão, não são tão imutáveis quanto parecem. Eles carregam marcas das mudanças políticas e culturais pelas quais o Brasil passou. E entender esse passado pode revelar muito sobre a construção da nossa identidade como nação.
O hino antes do hino
A melodia do Hino Nacional, composta por Francisco Manuel da Silva em 1822, é a mesma que ouvimos até hoje. Mas a letra atual só foi oficializada bem mais tarde. No final do século XIX, ainda sob o Império, existia uma versão bem diferente daquela que cantamos nas escolas e em eventos oficiais.
Esses versos traziam forte carga militar e exaltavam valores como dever, obediência e disciplina. Expressões como “Gravai com buril nos pátrios anais o vosso poder” e “Servi o Brasil sem esmorecer” deixavam claro o ideal de cidadania da época: heróico na guerra, obediente na paz.
O refrão “Eia! Avante, brasileiros! Sempre avante!” era um verdadeiro chamado à ação, muito parecido com os hinos europeus tradicionais, marcados por solenidade e patriotismo.
A República e a necessidade de mudança
A proclamação da República, em 1889, mudou não só a forma de governo, mas também os símbolos nacionais. Tudo que lembrava a monarquia, do brasão imperial aos versos do antigo hino, começou a ser substituído.
A melodia de Francisco Manuel da Silva permaneceu, mas por muitos anos foi tocada sem letra oficial. Só em 1922, durante as comemorações do centenário da Independência, a letra de Joaquim Osório Duque Estrada foi adotada por decreto.
Essa nova versão deixou de lado a linguagem militarizada e o culto ao Império, apostando em metáforas mais poéticas e em ideias universais de liberdade, grandeza e patriotismo. Era o hino de uma República que buscava se afirmar diante do povo e do mundo.
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A letra esquecida
Com o tempo, aqueles versos do período imperial simplesmente desapareceram da memória coletiva. A maioria dos brasileiros desconhece sua existência. Muitos professores de história, segundo relatos recentes, também se surpreenderam ao ouvir a versão antiga.
Esse apagamento revela algo importante: os símbolos nacionais não são neutros. Eles são moldados por escolhas políticas, por interesses de cada época e pelas narrativas que se quer destacar, ou esconder. Ao eliminar o refrão “Eia! Avante, brasileiros!”, também se apagou parte da história de um país que já foi império antes de ser república.
Historiadores destacam que essa escolha fazia parte de uma estratégia das elites republicanas: afastar qualquer lembrança do regime anterior e construir uma nova identidade nacional. Assim, valores como hierarquia e disciplina deram lugar a uma exaltação mais romântica da pátria.
O que isso significa para nós hoje?
Esse resgate inesperado nos leva a refletir sobre algo maior: como o ensino da história influencia nossa percepção de pertencimento. Se símbolos tão importantes mudaram ao longo do tempo, não seria essencial conhecer também suas versões anteriores?
Ao compreender de onde viemos, ficamos mais preparados para interpretar o presente. E, em um momento em que se fala tanto em patriotismo e identidade nacional, recuperar fragmentos esquecidos pode enriquecer o debate, em vez de empobrecê-lo.
Professores e especialistas defendem que mostrar essas versões suprimidas nas escolas pode estimular o senso crítico dos alunos e despertar mais interesse pela história. Afinal, hinos, bandeiras e datas não são apenas rituais: são narrativas vivas, que revelam as disputas e os sonhos de cada geração.
Esse tipo de esquecimento não acontece só no Brasil. A Grécia, por exemplo, também viveu diferentes fases políticas, monarquia, ocupação estrangeira, ditadura e, depois, república. Seu hino nacional é considerado o mais longo do mundo, com mais de 150 estrofes, mas apenas as duas primeiras são cantadas oficialmente. As demais, que falam de guerra, sacrifício e liberdade, acabaram se perdendo no tempo e hoje são pouco conhecidas.
Esse paralelo mostra que a memória nacional é sempre seletiva. Certos trechos permanecem vivos, outros se apagam, mas todos fazem parte da trajetória de um povo.
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O hino que cantamos, e o que esquecemos
Hoje, o Hino Nacional Brasileiro é parte da nossa rotina: cantado em jogos de futebol, em formaturas, em cerimônias cívicas e nas escolas. É uma das melodias mais reconhecidas do país.
Mas lembrar que existiu um “outro hino” antes do atual é uma forma de ampliar nossa visão sobre o passado. Esses versos esquecidos não diminuem a importância da versão de hoje, mas nos lembram que símbolos não surgem do nada: eles são fruto de escolhas, disputas e transformações históricas.
Saber disso nos dá uma perspectiva mais rica. Afinal, o hino que cantamos é também o resultado daquilo que escolhemos não cantar.
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