Descobrir como soava o grego falado na Antiguidade sempre foi um desafio para estudiosos e linguistas. Afinal, sem gravações ou relatos concretos, resta confiar em pistas deixadas em inscrições, manuscritos e objetos antigos. Recentemente, novas pesquisas trouxeram informações importantes sobre a fala grega há quase dois mil anos, revelando detalhes curiosos sobre a pronúncia, a estrutura dos poemas e a maneira como o idioma se transformava com o passar do tempo.
O achado do poema grego
Imagem: BHMAquincum Archaeological Museum and Park.
Um dos achados mais importantes veio de um pequeno objeto: uma pedra preciosa gravada com um poema de amor em grego. Este item, pertencente ao acervo do Museu Arqueológico de Aquincum, em Budapeste, não é uma joia tradicional, mas sim uma peça feita de pasta de vidro, um material simples e acessível na época. Apesar disso, seu valor para o estudo da língua é imenso.
O poema inscrito é curto e direto. Com frases como “λέγουσιν ἃ θέλουσιν” (“eles dizem o que querem”) e “σὺ φίλι με” (“vai, me ama”), ele oferece pistas preciosas sobre o modo como os gregos falavam de fato, e não apenas como escreviam em contextos formais. O estilo é leve, com um ritmo fácil de memorizar, semelhante ao de uma música popular.
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Como era o som do grego antigo
Até pouco tempo atrás, acreditava-se que os gregos antigos seguiam estritamente as regras do chamado metro quantitativo na poesia. Esse sistema organizava os versos com base no tempo de duração das sílabas, longas ou curtas, e era muito usado na literatura clássica. No entanto, o estudo deste poema revelou algo diferente: o texto foi composto usando um padrão de acentuação baseado na intensidade, e não no tempo de fala. Em vez de medir a duração das sílabas, o ritmo era guiado por sílabas mais fortes e mais fracas, como ocorre hoje em muitas línguas modernas, incluindo o inglês.
Essa descoberta indica que, já no século II ou III d.C., o grego falado tinha uma musicalidade mais próxima da nossa, com palavras naturalmente carregando ênfases específicas. Essa forma de falar não surgiu do nada. Ela provavelmente se desenvolveu na fala cotidiana e foi se espalhando pela cultura oral antes de aparecer em inscrições e textos literários.
Outro ponto interessante é que esse mesmo poema foi encontrado em várias partes do antigo mundo romano, de Espanha até o Oriente Médio, inscrito em pedras semelhantes. Isso mostra a popularidade da composição e também o quanto o grego era uma língua de circulação ampla e adaptada a diferentes regiões e públicos.
O estilo do poema também é revelador: sem adjetivos ou termos elaborados, o texto aposta na simplicidade e na comunicação direta. Essa característica sugere que o grego popular da época era mais espontâneo do que os registros literários sugerem. O poema é quase como um diálogo de rua, refletindo um uso prático da língua, muito diferente do tom solene de autores como Homero ou Sófocles.
Outro aspecto que os pesquisadores destacam é que os erros ortográficos comuns nas inscrições populares ajudam a entender como as pessoas realmente pronunciavam as palavras. Em textos oficiais, havia um cuidado maior em manter uma ortografia considerada “correta”, seguindo padrões antigos. Já nas inscrições mais simples, a escrita tendia a acompanhar mais fielmente a fala, revelando sons e mudanças de pronúncia que, de outro modo, teriam se perdido.
Além disso, o grego antigo estava longe de ser um idioma único e uniforme. Assim como hoje existem muitos sotaques e variações regionais no português ou no inglês, o grego da Antiguidade também variava bastante dependendo do lugar. O fato de o poema ter sido copiado de forma consistente em tantas regiões mostra que existia uma variedade comum, uma espécie de grego popular que conseguia ser entendido em todo o Império Romano.
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Outras descobertas da pesquisa
A pesquisa também ajuda a corrigir antigas suposições sobre a evolução da poesia. Antes, acreditava-se que o uso de acentuação na métrica poética só havia surgido com Romanos, o Melodista, no século VI. Agora, se sabe que essa prática já existia muitos séculos antes, mostrando que as mudanças na língua e na poesia foram graduais, brotando do cotidiano das pessoas comuns.
O ambiente em que esse tipo de cultura se espalhou também tem peso nessa história. O Império Romano, com suas redes de comércio, suas cidades ligadas por estradas e seu intercâmbio cultural intenso, funcionava como uma espécie de “supervia” de informação. Assim, objetos como essas pedras gravadas e os pequenos poemas inscritos nelas podiam viajar por enormes distâncias, acompanhando soldados, mercadores e cidadãos comuns.
Entender como soava o grego antigo é, portanto, mais do que um exercício de curiosidade. É uma maneira de perceber que, mesmo há dois mil anos, as pessoas buscavam expressar seus sentimentos com simplicidade, humor e musicalidade. E que, muito antes das redes sociais e dos aplicativos de mensagens, havia formas rápidas e eficazes de espalhar ideias, canções e emoções por todo um mundo multicultural.
Essa redescoberta nos aproxima dos antigos de uma forma que livros de gramática não conseguem fazer. Mostra que a linguagem é, acima de tudo, viva, mudando com as pessoas que a falam, e que o grego antigo, embora distante no tempo, ainda carrega ecos que podemos reconhecer em nosso próprio jeito de falar e se comunicar hoje.
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