Quem já visitou uma taverna grega sabe que o ambiente convida a sentar, conversar, ouvir música e compartilhar pratos e histórias. Mas, por trás dessa tradição acolhedora, existe uma longa jornada histórica que começou muito antes da popularização do tzatziki ou da moussaká.
Na Grécia Antiga, a taverna já existia, mas tinha outro nome: kapeleion. Esses estabelecimentos eram comuns nas cidades, frequentados por trabalhadores, artesãos e pessoas que não pertenciam à elite aristocrática. Embora o conceito lembre um bar popular moderno, havia grandes diferenças no funcionamento, no público e no papel social dessas casas.
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Uma alternativa aos banquetes da elite
Na sociedade grega antiga, os homens ricos preferiam se reunir em jantares privados chamados symposia. Esses encontros ocorriam em casas aristocráticas e tinham regras, objetivos e até rituais próprios. Era um espaço masculino, voltado a discussões políticas, filosóficas e celebrações. O vinho era servido com água, acompanhado por música, poesia e debates. Nenhuma mulher respeitável frequentava um symposium.
Já para as camadas populares, o local de encontro era o kapeleion. Nele, o vinho também era a estrela, mas o ambiente era mais informal, misto e acessível. Escravos e mulheres podiam estar presentes, o que na época causava certo desconforto entre os mais conservadores. As kapeleia (plural de kapeleion) aparecem com frequência em peças de teatro da época, especialmente nas comédias de Aristófanes, quase sempre associadas à desordem, à irreverência e ao comportamento pouco refinado dos frequentadores.
A presença ausente nas escavações
Curiosamente, embora os textos antigos comprovem a existência dessas tavernas, os arqueólogos quase não encontraram vestígios físicos delas. Não há edifícios claramente identificados como bares ou tavernas. Isso gerou debates entre especialistas. Uma das hipóteses mais aceitas é a de que muitas casas privadas funcionavam também como pontos de venda de vinho e comida, especialmente nas cidades maiores como Atenas e Corinto.
Pesquisas recentes mostram que certas residências tinham uma quantidade incomum de copos e ânforas, itens demais para uso doméstico comum. Isso levanta a possibilidade de que essas casas servissem como bares informais, integrados ao ambiente doméstico.
O que se bebia e como se servia
O vinho da Antiguidade era bem mais forte que o atual, com cerca de 16% de teor alcoólico. Por isso, era sempre diluído em água antes de ser servido. A mistura era feita em grandes tigelas chamadas krateres, e a bebida era mantida fresca com o uso de psykter, um tipo de resfriador cerâmico. O vinho era então transferido para jarras (oinochoai ou olpai) e servido em taças como a kylix, a kantharos e a kothon.
Havia vinhos secos (austeros), doces (glukazon) e intermediários (autokratos), em versões tintas, brancas ou rosadas. O consumo de vinho puro, sem água, era considerado bárbaro pelos gregos, algo que eles atribuíam aos povos estrangeiros.
Em algumas tavernas, era possível consumir pequenas porções de comida. Os tragemata (doces) e os hales (salgados) funcionavam como os “petiscos de bar” da época.
Ao contrário dos espaços exclusivos dos aristocratas, as kapeleia tinham um caráter mais inclusivo. Em Atenas, uma cidade com instituições democráticas, havia muitas tavernas de bairro onde os moradores se reuniam no fim do dia. Esse modelo contrastava com o de cidades como Esparta, onde predominavam os refeitórios públicos coletivos e havia menos espaço para encontros informais com bebida.
A presença de mulheres e escravos nas tavernas atenienses causava desconforto entre os mais conservadores. Ainda assim, os registros mostram que esses locais cumpriam um papel importante na vida cotidiana, funcionando como pontos de encontro, troca de notícias e lazer popular.
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O que mudou em relação às tavernas de hoje?
As tavernas gregas atuais mantêm a essência da convivência e da partilha, mas ganharam formas diferentes. Hoje, elas são espaços frequentados por famílias, casais e grupos de amigos. A comida é um elemento central. Pratos são servidos em porções para dividir, e é comum o cliente receber uma sobremesa ou uma dose de raki ou ouzo como cortesia no fim da refeição.
O vinho continua presente, mas divide espaço com cervejas locais e bebidas destiladas. A diferença de público também é clara: todos são bem-vindos, sem distinção de classe, gênero ou origem. As tavernas modernas são mais organizadas, visíveis e legalizadas, ao contrário das antigas, que muitas vezes eram escondidas ou funcionavam sem estrutura definida.
Apesar das mudanças, a taverna ainda é um símbolo da cultura grega. Para os leitores do brazilgreece.com, essa história ajuda a entender por que uma refeição em uma taverna grega é mais do que comida: é um gesto de continuidade cultural.
Do copo de vinho servido em uma casa de Atenas no século V a.C. ao prato de mezedes compartilhado em uma taverna nas ilhas gregas hoje, existe uma linha invisível que conecta gerações por meio do hábito de sentar, brindar e conversar.
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