Uma descoberta recente na costa norte do Mar da Galileia tem chamado a atenção de arqueólogos e estudiosos da história do cristianismo. O que antes era apenas mais uma área coberta pela vegetação da Reserva Natural Betiha, em Israel, pode ser, segundo novas evidências, o local onde viveram os apóstolos Pedro, André e Felipe, nomes centrais nos relatos do Novo Testamento.
Um incêndio revelou ruínas escondidas por séculos
Escavações em Israel.
As escavações no local de El-Araj ganharam novo fôlego após um incêndio florestal atingir a região no fim de julho. O fogo, apesar dos impactos ambientais, teve um efeito inesperado para a arqueologia: eliminou a vegetação densa e revelou estruturas soterradas, até então inacessíveis.
O arqueólogo Mordechai Aviam, que lidera a escavação pelo Colégio Kinneret, afirmou que as chamas deixaram expostos diversos montes de terra e paredes ocultas, além de fragmentos de cerâmica que remontam ao período romano, época em que Jesus teria vivido. Esses indícios sugerem que o local pode ser a antiga Bethsaida, uma aldeia de pescadores mencionada em relatos históricos e religiosos.
Bethsaida, entre registros históricos e ruínas arqueológicas
Bethsaida aparece em diversos trechos do Novo Testamento como a cidade natal de três dos doze apóstolos. Apesar disso, sua localização exata ainda é motivo de debate. Atualmente, parte da tradição cristã aponta Cafarnaum como a cidade de origem de Pedro, mas textos da era bizantina associam Bethsaida à moradia do apóstolo.
As escavações em El-Araj já estão em sua nona temporada. A equipe trabalha principalmente nas camadas mais profundas, onde se encontram restos da era romana sob construções bizantinas e vestígios deixados por cruzados. A presença de um banho romano descoberto ali reforça a ideia de que se tratava de um assentamento com certo grau de urbanização. Além disso, foi identificado um tambor de pilar, típico de edifícios públicos da época.
Esses elementos reforçam a hipótese de que Bethsaida, sob o governo do Rei Herodes Filipe, foi elevada à condição de cidade. Essa informação já havia sido relatada por Flávio Josefo, historiador judeu do século I, conhecido por escrever sobre os acontecimentos que cercaram a Palestina no tempo de Jesus.
Leia mais: Este é o grego que desbravou o Ártico antes dos vikings
A presença cristã e a igreja sobre a suposta casa de Pedro
Acima das ruínas romanas, arqueólogos encontraram vestígios de uma igreja bizantina, datada do século V. Esse templo teria sido erguido sobre uma residência considerada, na tradição da época, como a casa de Pedro e André. Um dos elementos encontrados no local é um mosaico que menciona Pedro diretamente, chamando-o de “chefe e comandante dos apóstolos celestiais”.
Steven Notley, arqueólogo do Nyack College, em Nova Iorque, que também participa da escavação, destacou que essa é uma das evidências mais significativas da ligação entre Pedro e a basílica construída ali. Segundo ele, isso reforça a possibilidade de que o apóstolo tivesse uma ligação direta com o local onde a igreja foi edificada.
O piso da diaconia da igreja contém um mosaico floral bem preservado, com padrões geométricos emoldurados por tesselas pretas. Esse detalhe foi revelado em 2022 com o auxílio de Zachary Wong, engenheiro de áudio de Hong Kong que integra a equipe desde 2016.
Relatos de peregrinos e os próximos passos
As descrições do local batem com o relato deixado por São Willibaldo, um bispo da Baviera que passou pela região por volta do ano 725 d.C. Durante a peregrinação, ele escreveu que havia visitado uma igreja construída sobre a casa de Pedro e André, localizada entre Cafarnaum e Kursi, exatamente onde se encontra El-Araj.
Apesar das descobertas promissoras, os arqueólogos ainda não chegaram a uma conclusão definitiva sobre se esse é, de fato, o local de nascimento de Pedro. Isso se deve, principalmente, à existência de divergências nos textos bíblicos quanto à residência dos apóstolos. Alguns apontam para Cafarnaum, enquanto outros reforçam a tradição associada a Bethsaida.
Mesmo assim, a combinação de fatores arqueológicos, históricos e religiosos coloca El-Araj como um dos candidatos mais fortes à antiga Bethsaida. As escavações continuam, e novas camadas ainda devem ser exploradas, principalmente agora que a área ficou mais acessível após o incêndio.
Leia mais: Qual é a cor da porta da sua casa que atrai prosperidade no Feng Shui?
A importância histórica e simbólica da descoberta
Bethsaida tem uma presença recorrente nos relatos bíblicos. Foi lá, segundo os evangelhos, que Jesus realizou alguns de seus milagres e onde formou parte de seus primeiros seguidores. Confirmar sua localização exata tem valor não apenas acadêmico, mas também simbólico para milhões de pessoas ao redor do mundo.
Para a arqueologia, o trabalho em El-Araj pode oferecer mais do que confirmações religiosas. O estudo das camadas de ocupação, das cerâmicas e das estruturas encontradas ajuda a entender como viviam as populações da Galileia durante os séculos I ao V, um período de intensas transformações sociais, políticas e religiosas na região.
O que começou com um incêndio inesperado, portanto, abriu caminho para novas interpretações sobre um dos locais mais emblemáticos do cristianismo primitivo.
0 comentários