Pela primeira vez na história da protestante Irlanda do Norte, uma política católica, Michelle O’Neill, assume funções de primeira-ministra. Mas o que isso significa? Trata-se de uma evolução histórica e extremamente paradoxal. Você pode estar se perguntando por quê…
A razão de existência da Irlanda do Norte, e a separação da Irlanda, com sua diferença marcante e turbulenta em relação à vizinha católica Irlanda, foi o protestantismo. E agora, seus habitantes colocam no poder o partido Sinn Féin, um partido cujo objetivo estatutário é a reunificação da ilha, ou seja, o fim da existência da Irlanda do Norte, que a líder do partido é chamada a governar.
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Como começou a separação da Irlanda?
A divisão da Irlanda é um processo histórico complexo que envolve questões políticas, sociais e religiosas.
Desde o século XVII, a Grã-Bretanha controlava grande parte da Irlanda. Naquela época, os colonos ingleses que eram protestantes se estabeleceram no norte da Irlanda (ou Ulster) no início do século XVII. Eles chegaram da Grã-Bretanha vizinha com a colonização em massa organizada pelo rei da Inglaterra e Escócia, Jaime I. Tomaram as boas terras e empurraram os católicos locais para áreas menos férteis.
Quando a Irlanda se tornou independente do Reino Unido em 1922, os protestantes não seguiram o mesmo caminho. Mantiveram o Ulster na União britânica e, sendo dominantes em termos populacionais, criaram instituições à sua medida. “Um Parlamento protestante para um povo protestante”, disse James Craig, então primeiro-ministro da Irlanda do Norte (ou Primeiro Ministro, como é o título oficial).
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O conflito armado entre católicos e protestantes
No final da década de 1960, os católicos saíram às ruas, e logo o movimento pacífico por direitos se transformou em um conflito armado. As disputas ficaram conhecidas como “The Troubles”. Na década de 1980, era um tema constante em todos os noticiários, semelhante ao que acontece hoje com o Oriente Médio.
Em um período de paz na Europa, uma guerra civil sangrenta estava em andamento. Em trinta anos, 3.600 pessoas perderam suas vidas e 50.000 ficaram feridas. Não há casa na pequena Irlanda do Norte (com 1,8 milhão de habitantes) que não tenha sofrido as consequências.
A casa da primeira-ministra Michelle O’Neill foi uma delas. Seu pai foi preso como membro da organização paramilitar católica IRA.
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O acordo histórico que pôs fim às hostilidades
O conflito armado entre católicos e protestantes parecia uma causa perdida. No entanto, a pressão de Londres e Washington sobre a Irlanda do Norte levou ao histórico Acordo de Sexta-Feira Santa em 1998. Com o acordo, os católicos puderam se sentir em casa sem que os protestantes tivessem que renunciar à sua pátria.
Os católicos viram sua participação igualitária no poder como a legitimação política de uma comunidade que agora buscaria, por meios pacíficos, a reunificação com a Irlanda.
No final, os protestantes venceram a guerra. O derramamento de sangue chegou ao fim, sem que os separatistas atingissem seu objetivo.
Pode haver reunificação da Irlanda?
Entretanto, a união com a Grã-Bretanha só pode ser questionada se o governo de Londres der luz verde para um referendo, caso observe sinais de que a maioria deseja a separação. Os protestantes estavam seguros. Com uma maioria de 2 para 1 sobre os católicos, a reunificação da Irlanda nunca teria chances reais. Mas o tempo os desmentiu. As mudanças demográficas viraram o jogo contra eles.
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Mudanças demográficas
Em setembro de 2022, vimos o primeiro censo em que os católicos superaram numericamente os protestantes. Agora, eles representam 45,7% da população, enquanto os protestantes representam 43,5%.
Isso é uma enorme mudança em uma nação que foi constitucionalmente fundada na superioridade populacional dos protestantes sobre os católicos. Essa mudança já começou a se refletir nas pesquisas que registram como os norte-irlandeses se identificam.
Em 2011, 40% se identificavam apenas como britânicos. Agora, o percentual caiu para 32%. Da mesma forma, aqueles que se identificam como irlandeses aumentaram de 25% para 29%. Essas pesquisas mostram que a vitória de O’Neill não é um acaso.
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A reunificação da Irlanda mais próxima do que nunca
O mais impressionante, porém, é que o Sinn Féin não venceu apenas as eleições na Irlanda do Norte. Em 2020, pela primeira vez na história, também venceu as eleições na República da Irlanda. No entanto, naquela época, não conseguiu formar um governo. Mas, sua liderança nas pesquisas para as próximas eleições em março de 2025 o coloca como o governo à espera.
É, portanto, altamente provável que, em poucos meses, o Sinn Féin governe as duas Irlandas. A líder da ala irlandesa do partido, Mary Lou McDonald, já pediu aos governos de Londres, Dublim e Belfast para “começarem a se preparar” para o referendo sobre a reunificação. O’Neill disse que a votação pode ocorrer nos próximos dez anos.
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