Moro no Brasil há alguns anos, mas tem dias em que a saudade da Grécia bate forte. Nessas horas, gosto de preparar algo simples: um pedaço de queijo feta, um pouco de pão, talvez umas azeitonas… e uma taça de retsina. Esse vinho com gosto de resina de pinheiro me transporta direto para uma mesa de taverna à beira-mar, com vozes ao fundo, pratos sendo servidos e o cheiro do mar misturado ao do vinho.
A retsina não é como os vinhos que costumo encontrar por aqui. Muita gente no Brasil, quando experimenta pela primeira vez, estranha o gosto. “Tem gosto de pinho?”, me perguntam. Tem sim, e é exatamente isso que a torna tão especial. A retsina faz parte da nossa história, da nossa identidade.
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O que é a retsina?
A retsina é um vinho branco ou rosé que leva resina natural de pinheiro na fermentação. Isso dá ao vinho um aroma muito característico, algo entre herbal e amadeirado. Para quem está acostumado com vinhos mais tradicionais, ela pode parecer exótica. Mas para nós, gregos, esse sabor é familiar, é memória líquida.
Essa história começou na Grécia Antiga, quando o vinho era armazenado em ânforas de barro. Para conservar melhor, usavam resina de pinheiro como vedação. Com o tempo, o sabor da resina foi se misturando ao do vinho. E o que era uma solução prática virou tradição. Até hoje, seguimos esse costume, só que com mais controle e técnica.
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Retsina, a bebida do povo
Na minha infância, era comum ver retsina nas mesas das famílias, nos encontros de amigos, nos almoços de domingo. Alguns donos de taverna costumavam fazer sua própria retsina. Iam buscar o mosto das uvas e adicionavam a resina ali mesmo, do jeito que aprenderam com os mais velhos.
A retsina era simples, direta, acessível. Um trabalhador dizia que podia se sentir feliz com “dois souvlakis e três retsinas”. Não era vinho para eventos sofisticados. Era o vinho da rua, da esquina, do cotidiano. E isso sempre foi parte do seu charme.
Infelizmente, durante muito tempo essa bebida ficou com uma imagem ruim. Nos anos 1970 e 1980, muitos produtores passaram a fazer retsinas de baixa qualidade, com resinas fortes demais e vinhos fracos, embalados em garrafas plásticas. Muitos turistas experimentaram essas versões ruins e saíram da Grécia achando que retsina era algo áspero e ruim. Muita gente da nova geração na própria Grécia passou a evitar.
Mas o problema nunca foi o vinho em si, e sim como ele era feito.
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Por sorte, alguns enólogos gregos não desistiram da retsina. Um deles, Stelios Kechris, voltou da França decidido a mostrar que esse vinho poderia ser valorizado. Ele começou a produzir retsinas com uvas de qualidade, usando resina com moderação e equilíbrio.
Hoje, a retsina está voltando com força. Há rótulos modernos, com design bonito, vinhos mais delicados e até versões rosé, espumantes e envelhecidas. Os gregos estão redescobrindo esse clássico, e muitos estrangeiros estão provando pela primeira vez o que é uma boa retsina de verdade.
E como ela é diferente do vinho brasileiro?
Aqui no Brasil, estou acostumado a encontrar vinhos frutados, mais suaves, com menos acidez. A retsina é outra coisa. Ela é seca, tem notas de ervas, pinho, e até um leve amargor que refresca o paladar. Isso faz com que ela combine muito bem com comidas salgadas, azeite, queijos fortes, frutos-do-mar.
A uva mais usada é a Savvatiano, que é discreta, e permite que o aroma da resina apareça sem exageros. Também usamos a Roditis, que dá um toque mais cítrico. Nada disso lembra um vinho tinto encorpado. É outro universo.
O que combinar com retsina?
A retsina pode ser combinada com diferentes comidas gregas.
Se você tiver a chance de provar uma boa retsina, sirva-a bem gelada. Ela fica ótima com pratos da cozinha mediterrânea: sardinha na brasa, lula grelhada, salada com feta, pão com azeite e orégano. Até pratos brasileiros combinam, como moqueca ou peixe frito.
O sabor da resina ajuda a limpar o paladar e realça os temperos. Não é vinho para acompanhar carnes vermelhas ou pratos doces. Mas com petiscos salgados e comida de verão, ela brilha.
Hoje, morando tão longe de casa, percebo como a retsina carrega mais do que sabor. Ela carrega memória. Me lembra do cheiro das tavernas, do calor das tardes em Salônica, das conversas no fim de dia em Nafplio.
É um vinho que tem alma grega. Tem simplicidade, tem força, tem história. E, para quem quiser experimentar, pode ser que estranhe no começo. Mas, se der uma chance, vai entender por que ela continua viva depois de dois mil anos.
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