Não é apenas uma bebida alcoólica. Ouzo, com seu aroma marcante de anis e aparência translúcida quando misturado com água, é parte do cotidiano e da memória afetiva de muitos gregos. Presente em encontros familiares, almoços à beira-mar e rodas de conversa ao entardecer, esse destilado carrega um valor que vai além do copo. É símbolo de hospitalidade, identidade nacional e até mesmo de espiritualidade em determinadas épocas do ano.
Onde nasceu o ouzo?
Embora o nome ouzo esteja oficialmente registrado como um produto grego desde 1989, sua origem ainda é alvo de debate. Uma das versões mais citadas atribui a criação da bebida ao século XVIII, na região da Tessália, quando um médico turco teria provado um destilado local e exclamado “Uso di Marsiglia!” (expressão italiana usada para indicar produtos de alta qualidade exportados para Marselha). A partir disso, a palavra “ouzo” teria ganhado forma.
Outras teorias sugerem raízes etimológicas ligadas ao grego antigo, como o verbo ozo, que significa “cheirar”, ou ainda ao termo turco uzum, relacionado à uva.
Independentemente da origem exata, uma coisa é certa: só pode ser chamado de ouzo aquilo que é produzido na Grécia, respeitando métodos tradicionais.
Como é feito?
O ouzo é obtido principalmente a partir da destilação dos resíduos da uva, especialmente a casca e sementes, que sobram da produção do vinho. Em seguida, essa base é aromatizada com uma variedade de ervas e especiarias, sendo o anis a mais predominante. Algumas versões também incluem cardamomo, coentro e até canela.
Após a infusão dos ingredientes, a bebida passa por um processo de destilação que exige precisão e experiência. Regiões como Tirnavos, Kalamata e especialmente a ilha de Lesvos são conhecidas por produzirem ouzos renomados, sendo Plomari um dos nomes mais respeitados.
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Um ritual de verão e de fé
No imaginário coletivo grego, o ouzo está fortemente associado ao verão. A cena clássica envolve uma mesa simples em uma taverna à beira do mar, um pôr do sol avermelhado no horizonte e, ao centro, uma garrafa de ouzo cercada por pequenos pratos de petiscos, conhecidos como mezedes. É ali que o tempo desacelera e as conversas se prolongam.
Mas o consumo do ouzo não se restringe aos meses quentes. Durante o período da Quaresma ortodoxa, conhecido como Sarakosti, muitos gregos mantêm a tradição de consumi-lo, sobretudo por ele combinar bem com pratos à base de frutos-do-mar, que são comuns nesse período de abstinência.
Em muitas partes do mundo, o ouzo é servido como aperitivo em copos pequenos, bem gelado, às vezes até com cristais de gelo se formando dentro da bebida. Mas na Grécia, ele costuma ser diluído com um pouco de água ou gelo, o que transforma o líquido límpido em uma emulsão leitosa, fenômeno conhecido como efeito “louche”.
Essa transformação não é somente visual. Ela realça os aromas das ervas e torna a experiência mais leve e prolongada, algo essencial para acompanhar as longas horas de conversa e partilha de pratos típicos como polvo grelhado, sardinha, azeitonas, queijo feta e legumes frescos.
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O perigo de beber sem comer
Não há problema algum em se divertir, porém, alimente-se bem antes de consumir ouzo, sempre com moderação. Imagem: brazilgreece.
Por mais refrescante que pareça, o ouzo não é uma bebida fraca. Por conter açúcar, ele pode retardar a absorção do álcool no estômago, fazendo com que a pessoa demore mais a sentir os efeitos. Isso dá uma falsa sensação de segurança, mas o impacto pode ser forte e repentino.
Por isso, há um ditado popular na Grécia que condena quem bebe “xerosfýri”, termo que significa “a seco”, ou seja, sem nenhum alimento para acompanhar. Beber ouzo sem mezedes é visto não só como imprudente, mas como uma quebra de etiqueta.
Ouzeries, uma espécie de morada para o Ouzo
Em praticamente todas as cidades e vilarejos gregos, há lugares chamados ouzeries. São pequenos estabelecimentos especializados em servir ouzo acompanhado de petiscos variados. Embora semelhantes a bares ou cafés, esses locais têm um ritmo próprio: não há pressa, nem música alta, apenas o som de talheres, pratos e risadas.
Esse tipo de ambiente tem muito em comum com os botecos litorâneos do Brasil, especialmente os que servem frutos-do-mar. A diferença está no ritual: na Grécia, o foco é o momento compartilhado em torno do ouzo e dos sabores que o acompanham.
Para os brasileiros que visitam a Grécia, ou para gregos que vivem no Brasil, o ouzo pode ser uma forma de manter viva uma conexão afetiva com o país helênico. Embora o paladar do anis não agrade a todos logo de início, muitos acabam se acostumando ao sabor e até incorporando o ritual à sua rotina, principalmente em encontros ao ar livre, churrascos e celebrações familiares.
Ao mesmo tempo, o ouzo serve como um ponto de partida para conhecer outras dimensões da cultura grega: hospitalidade, tempo desacelerado, alimentação em comunidade e respeito às tradições.
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