No meio do deserto australiano, a cidade de Coober Pedy chama atenção por um modo de vida bastante incomum: a maior parte de seus moradores vive em casas escavadas no subsolo. Essa escolha não é estética, tampouco curiosidade turística. Trata-se de uma adaptação prática e necessária às condições climáticas da região, onde as temperaturas podem ultrapassar os 50 °C nos meses mais quentes do ano.
Quando morar sob a terra faz mais sentido?
Coober Pedy fica a quase 850 quilômetros de Adelaide, no sul da Austrália. A paisagem árida, marcada por morros de areia e tubos de ventilação que saem do chão, esconde um sistema de moradias subterrâneas onde vivem cerca de 60% dos seus 2.500 habitantes. As construções são escavadas em rochas de arenito e siltito, materiais que permitem abertura fácil, sem necessidade de reforços estruturais complexos.
No verão, o calor é tão extremo que equipamentos eletrônicos precisam ser mantidos em refrigeradores e aves chegam a cair do céu. Já no inverno, as noites ficam geladas. Diante desse cenário, viver no subsolo oferece vantagens concretas: a temperatura lá embaixo permanece constante durante o ano inteiro, girando em torno de 23 °C. Isso garante conforto térmico sem os altos custos do ar-condicionado ou aquecedores.
Além do conforto, morar embaixo da terra representa economia direta para os moradores. Em Coober Pedy, a energia elétrica é gerada localmente e, por isso, costuma ser mais cara do que em outras cidades. Ter uma casa que não exige controle térmico artificial constante reduz significativamente os gastos com eletricidade.
As chaminés das casas subterrâneas em Coober Pedy. Foto: Flickr.
Outro ponto que surpreende é o valor dos imóveis subterrâneos. Enquanto uma casa tradicional em Adelaide pode custar até 700 mil dólares australianos, uma residência com três quartos em Coober Pedy foi arrematada recentemente por cerca de 40 mil dólares. Um contraste que faz diferença no bolso de quem vive na região.
Apesar de serem escavadas na terra, as residências subterrâneas não se limitam a espaços escuros e apertados. Muitas delas têm acabamentos bem elaborados, pé-direito alto, ambientes amplos e até piscinas internas. Alguns moradores relatam que suas casas contam com salões de jogos, banheiros espaçosos e entradas em arco, como verdadeiros “castelos subterrâneos”.
Além disso, a vida sob a terra oferece silêncio absoluto, ausência de poluição luminosa e, curiosamente, menos insetos. Como explicou um morador local, as moscas simplesmente evitam entrar em lugares frios e escuros. A tranquilidade é outro fator que contribui para a qualidade de vida da comunidade.
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Mas, viver embaixo da terra não é algo novo
Viver debaixo da terra não é algo novo. Essa prática tem registros históricos em várias partes do mundo. Na Turquia, a antiga cidade subterrânea de Derinkuyu, na região da Capadócia, foi descoberta por acaso na década de 1960. Lá, populações inteiras se abrigavam em estruturas cavadas a dezenas de metros de profundidade, com igrejas, armazéns, poços e ventilação natural.
Na Grécia, há exemplos parecidos em regiões montanhosas e de clima severo, onde grutas e cavernas foram adaptadas ao longo dos séculos como refúgio contra o frio, o calor e até ataques inimigos. O uso estratégico do subsolo é, portanto, uma forma antiga e comprovada de convivência com os extremos da natureza.
Em Coober Pedy, escavar a casa ainda pode trazer surpresas valiosas. A cidade é conhecida pela mineração de opala, uma pedra preciosa abundante na região. Já houve casos de moradores que encontraram pedras preciosas durante reformas, instalações hidráulicas ou ampliações. Um hotel chegou a descobrir opalas avaliadas em 1,5 milhão de dólares australianos ao abrir espaço para novos quartos.
As formações de arenito são ideais para esse tipo de construção. Segundo o centro de informações turísticas local, a rocha é tão macia que pode ser raspada até com a unha. Isso permite que projetos de casas sejam executados com rapidez, escavadoras industriais removem seis metros cúbicos de rocha por hora.
Quando não dá para copiar o modelo?
Apesar do sucesso da cidade australiana, o modelo de moradia subterrânea não funciona em qualquer lugar. Em regiões úmidas, como áreas costeiras ou com lençóis freáticos elevados, a construção sob a terra se torna mais complicada. Problemas como infiltrações, mofo e falta de ventilação são difíceis de controlar. Um exemplo disso são as cavernas de Hazan, em Israel, onde a umidade duplicada compromete a habitabilidade.
Mesmo com técnicas modernas de impermeabilização, manter estruturas subterrâneas secas e seguras pode ser caro e trabalhoso. Por isso, o modelo de Coober Pedy funciona bem, sobretudo por conta do solo seco, da baixa umidade e das condições geológicas específicas do local.
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Solução para um mundo mais quente?
Com o aumento das temperaturas globais, a experiência de Coober Pedy desperta atenção internacional. Se antes parecia excentricidade, agora se mostra uma alternativa viável para enfrentar ondas de calor, secas prolongadas e problemas energéticos.
Viver no subsolo pode parecer estranho à primeira vista, mas representa um retorno a práticas milenares de adaptação humana. Em tempos de mudanças climáticas, a estratégia de cavar para baixo em vez de construir para cima pode voltar a ganhar força.
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