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Por que Sócrates foi considerado perigoso para Atenas?

| Em 01/09/2025 às 12:28
Entenda o motivo de Sócrates ter sido considerado perigoso para alguns gregos. Imagem: criação do brazilgreece.

Em 399 a.C., a cidade de Atenas levou a julgamento um homem de 70 anos, acusado de impiedade e de corromper os jovens. Esse homem era Sócrates, um pensador que não escreveu nenhum livro, mas cujas ideias atravessaram séculos. A decisão de condená-lo à morte segue sendo um dos episódios mais debatidos da história da filosofia. Afinal, o que fazia esse filósofo parecer tão ameaçador ao ponto de ser eliminado pelo próprio berço da democracia?

Entendendo o clima de tensão em Atenas

Cinco anos antes do julgamento de Sócrates, Atenas havia sido derrotada na Guerra do Peloponeso, perdendo sua posição de destaque no mundo grego. A cidade estava em ruínas econômicas, sociais e políticas. Além da derrota militar, a democracia ateniense tinha sido desestabilizada por dois golpes de Estado. Entre eles, o mais traumático foi o regime dos Trinta Tiranos, instalado com apoio de Esparta em 404 a.C., e marcado por perseguições e execuções.

Esse contexto de instabilidade criou um ambiente propício para a busca por culpados. Sócrates, que circulava entre jovens influentes, alguns dos quais ligados diretamente ao autoritarismo, se tornou um alvo conveniente.

A imagem de Sócrates não ajudava. Embora não estivesse envolvido diretamente com as ações antidemocráticas, muitos dos seus antigos alunos e admiradores estavam. Entre eles, Alcibíades, que traiu Atenas durante a guerra, e Critias, um dos líderes dos Trinta Tiranos. A ligação com essas figuras aumentava a suspeita de que Sócrates simpatizava com ideias contrárias ao sistema democrático.

Além disso, havia o incômodo com sua postura diante da religião tradicional. Sócrates não negava a existência dos deuses, mas dizia ser guiado por um “daimonion”, uma espécie de voz interior. Isso foi interpretado como uma tentativa de introduzir novos deuses, algo proibido pelas leis da cidade. Para uma população que via a tragédia recente como castigo divino, questionar os deuses era visto como perigoso.

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O estilo provocador de Sócrates

Por que Sócrates foi considerado perigoso para Atenas?

Sócrates passou os seus ensinamentos para os gregos antigos. Imagem: criação do brazilgreece.

Outro ponto de atrito era a forma como Sócrates se relacionava com o poder e com o saber. Sua prática filosófica consistia em fazer perguntas simples, mas que levavam os interlocutores a reconhecer sua própria ignorância. Ele desmontava argumentos com ironia e insistência, o que incomodava especialmente aqueles que ocupavam cargos públicos ou tinham prestígio social.

Essa atitude foi interpretada por seus acusadores como uma forma de desrespeitar as autoridades e desestabilizar a juventude, encorajando o desprezo por figuras de liderança. Para muitos atenienses, isso era uma ameaça real à ordem política.

O processo foi conduzido por três figuras públicas: Meleto, Ânito e Lícon. Eles formularam duas acusações principais: impiedade e corrupção dos jovens. Ambas tinham conteúdo político disfarçado de preocupação moral.

No fundo, o julgamento de Sócrates não foi apenas sobre crenças religiosas ou influência sobre os jovens. Foi sobre o desconforto causado por alguém que fazia perguntas demais, em um momento em que a cidade não queria, ou não podia, questionar a si mesma.

Durante o julgamento, Sócrates teve a chance de se defender. Mas, em vez de adotar uma estratégia emocional, como trazer familiares para sensibilizar os jurados, ele optou por reafirmar sua postura filosófica. Disse que sua missão era questionar e estimular o pensamento crítico, pois acreditava que uma vida sem reflexão não valia a pena ser vivida.

Chegou a sugerir que, em vez de ser punido, deveria receber uma pensão paga pelo Estado, como os atletas campeões. A provocação não pegou bem. O voto final foi apertado: 280 jurados votaram pela condenação, contra 220 pela absolvição.

Quando foi convidado a propor uma pena alternativa à morte, novamente fez pouco caso. Ao manter sua postura desafiadora, agravou ainda mais a situação. Dessa vez, a maioria dos jurados votou pela execução.

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A cidade em busca de um bode expiatório

Muitos historiadores enxergam o julgamento de Sócrates como um episódio típico de sociedades em crise. Quando o medo domina, é comum buscar um culpado simbólico. O filósofo, com seu comportamento excêntrico, suas ligações suspeitas e suas ideias que incomodavam, foi o candidato perfeito para ocupar esse papel.

Atenas projetou em Sócrates sua própria frustração diante do fracasso político e militar. E, ao condená-lo, tentou reafirmar uma ordem abalada. No entanto, o efeito foi o oposto: a morte de Sócrates se transformou em símbolo de resistência e reflexão, transmitido pelos escritos de seu discípulo Platão.

A história de Sócrates convida a refletir sobre como lidamos com vozes que questionam estruturas estabelecidas. Ainda hoje, temas como liberdade de expressão, limites do pensamento crítico e punição de dissidentes são debatidos em diversas partes do mundo.

A forma como Atenas tratou Sócrates revela que até as democracias mais celebradas podem sucumbir ao medo e à intolerância, principalmente quando pressionadas por derrotas e incertezas. O julgamento foi menos um ato de justiça e mais um desabafo político contra quem se recusava a seguir o silêncio confortável da maioria.

  • Konstantinos P.

    Grego, morou na Grécia por quase toda a sua vida e em Londres por 3 anos. Trabalhou como Bar Manager, Bartender e Barista em Londres e na Grécia. Além de ter trabalhado nas melhores cozinhas e bares de Londres e da Grécia. Participou de renomados cursos na área e compartilhou o seu conhecimento com seus alunos pela Europa. Por ser apaixonado pelo seu país, encontrou por meio da escrita uma forma de compartilhar com os brasileiros o seu conhecimento sobre viagens, história, cultura, mitologia grega e culinária geral, trazendo o melhor da Grécia para vocês.

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