É comum ver crianças desenhando, montando blocos ou escrevendo com a língua discretamente para fora da boca. E, embora esse gesto seja mais frequente nos pequenos, também pode ser observado, ainda que com menos frequência, em adultos. Pode parecer apenas uma curiosidade ou um hábito inocente, mas esse comportamento tem base no funcionamento do cérebro e até na história evolutiva da nossa espécie.
Um reflexo do cérebro em ação
Colocar a língua para fora ao se concentrar não é algo que a maioria das pessoas faz conscientemente. O gesto é resultado de uma reação automática do cérebro, provocada por uma espécie de “confusão” entre áreas responsáveis por funções distintas, mas que se sobrepõem.
A região chamada giro frontal inferior é uma das responsáveis pela linguagem, mas também está envolvida em tarefas motoras, como os movimentos das mãos. Assim, quando uma pessoa está realizando uma atividade manual que exige atenção, como recortar, desenhar ou escrever, essa região cerebral pode ativar simultaneamente os músculos da boca. O resultado é um “vazamento” de movimento, chamado na neurociência de extravasamento motor.
Em outras palavras, ao focar intensamente em uma ação com as mãos, o cérebro pode acabar mandando sinais extras que chegam à língua ou aos lábios. É como se o mesmo setor do cérebro estivesse multitarefando, e no processo, deixasse escapar pequenos movimentos não planejados.
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Herança dos nossos ancestrais
Esse comportamento não é só uma coincidência cerebral. Há indícios de que ele seja, na verdade, um resquício da evolução humana. Desde os tempos mais remotos, os gestos com as mãos estavam profundamente conectados com a comunicação.
Antes mesmo do surgimento da fala, nossos antepassados usavam movimentos corporais, principalmente com as mãos, como forma de se expressar. Esses gestos foram evoluindo até se tornarem, em parte, complementos da linguagem verbal. Por isso, não é raro vermos pessoas usando as mãos enquanto falam ou mexendo os lábios ao escrever.
A pesquisadora Gillian Forrester, da Universidade de Londres, que estuda essa conexão entre linguagem e gestos, afirma que a ligação entre movimentos da boca e das mãos pode ser vista como um reflexo direto dessa trajetória evolutiva. Essa conexão é tão forte que, em tarefas motoras finas, a ativação cerebral muitas vezes transborda para regiões que controlam músculos faciais, como os da língua.
Mais comum entre crianças
Apesar de poder aparecer em qualquer idade, esse comportamento é muito mais visível nas crianças. Isso ocorre por dois motivos principais: o estágio de desenvolvimento do cérebro e a ausência de repressão social.
Durante a infância, o sistema nervoso ainda está em formação, e os mecanismos de controle de movimentos involuntários ainda não estão totalmente refinados. Por isso, os pequenos tendem a manifestar com mais intensidade esse tipo de reação.
Além disso, crianças costumam agir com mais espontaneidade. Elas ainda não foram condicionadas a reprimir certos gestos em nome de regras sociais ou de aparência. Com o passar do tempo, muitos desses comportamentos acabam sendo desencorajados por pais, professores ou colegas, o que contribui para que os adultos disfarcem ou até deixem de apresentar o hábito.
O que os estudos revelam
Pesquisas publicadas em periódicos científicos, como a Frontiers in Psychology, reforçam a ideia de que esse movimento está ligado a uma sobreposição funcional entre áreas do cérebro. Esse tipo de extravasamento motor é mais frequente em tarefas que exigem precisão e foco, como atividades escolares ou manuais.
O interessante é que o gesto pode até contribuir com o desempenho. Ao ativar regiões motoras associadas à concentração, o cérebro se empenha em manter o foco e a coordenação, mesmo que isso venha acompanhado de um pequeno movimento da língua. Ou seja, embora o gesto possa parecer irrelevante, ele pode indicar que a pessoa está genuinamente imersa naquilo que está fazendo.
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Um gesto comum, mas pouco percebido
Apesar de ser algo bastante frequente, poucas pessoas notam esse comportamento em si mesmas. Isso porque ele geralmente ocorre em momentos de alta concentração e passa despercebido. Em crianças, como o gesto costuma ser mais exagerado, ele chama mais atenção. Já em adultos, tende a ser sutil, limitado a pequenos movimentos dos lábios ou da ponta da língua.
Também não há nada que indique que esse comportamento seja prejudicial. Pelo contrário: ele faz parte de uma resposta natural do corpo a tarefas que exigem envolvimento mental e motor. Não é uma mania, um tique nervoso ou um sinal de distração, mas um reflexo do cérebro em pleno funcionamento.
No fim das contas, esse pequeno gesto pode ser um sinal de que estamos completamente absorvidos na atividade. E isso, por si só, já diz muito sobre como nosso cérebro funciona.
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